SÃO PAULO - Você é do tipo que lê um relatório enquanto fala ao telefone e manda emails? Então, saiba que fazer várias coisas ao mesmo tempo pode afetar sua capacidade de reter informações.
"Quanto mais atividades a pessoa exerce simultaneamente, maiores as chances de trocar as bolas, confundir e esquecer", diz o neurologista Eli Faria Evaristo, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, de São Paulo. "Não é uma doença, mas fruto da vida maluca dos tempos modernos."
Segundo o especialista, os pequenos apagões de memória têm levado mais profissionais a procurar ajuda médica nos consultórios. "Mas, se a pessoa vive uma rotina sobrecarregada, não vai conseguir milagre", diz. Isso porque, junto com a sobrecarga de trabalho, vem o estresse, que também compromete a capacidade de reter dados e informações relevantes para o dia a dia.
Falhas de memória frequentes podem perturbar a rotina. Se você já teve de retornar ao escritório quando estava a caminho de uma reunião porque esqueceu o notebook, sabe bem o estresse que isso gera. Sua imagem profissional também pode ser prejudicada.
Afinal, uma pessoa que a todo instante está repetindo "ih, esqueci" ou "deu branco" dificilmente ganhará a confiança do chefe e dos colegas de trabalho. "Esses problemas afetam a tomada de decisão, pois a pessoa tende a ficar mais insegura", diz o neurologista Rubens José Gagliardi, diretor científico do departamento de neurologia da Associação Paulista de Medicina (APM).
Mas há como treinar a memória? A resposta é "sim". "Quanto mais a pessoa exercita o cérebro, mais capacidade terá. Ler, ler e ler é disparado o melhor treino", diz o médico e cientista paulista Ivan Antonio Izquierdo (leia entrevista na página ao lado).
Falta de concentração e Foco
A advogada Renata Negrini DenaDai, de 31 anos, de São Paulo, sempre foi meio desligada, do tipo que esquece a data de aniversário da melhor amiga e de levar o carregador da máquina fotográfica em viagem.
Quando esses lapsos começaram a afetar os relacionamentos e a ameaçar a vida profissional, ela decidiu procurar ajuda de um psiquiatra. "Estava ficando cada vez mais ansiosa e tendo problemas para dormir", diz.
Ela descobriu que a "memória fraca" estava relacionada à dificuldade de concentração e foco. "Tenho clientes com perfis diferentes, com casos que me obrigam a estudar diversos segmentos do Direito", explica.
Depois de seis meses tomando medicamentos para ansiedade, ela optou, há um ano e meio, por um tratamento à base de fitoterápicos. Hoje, além de tomar polivitamínicos, ela adquiriu alguns hábitos: anota os compromissos numa agenda e evita tratar de mais de dois assuntos por vez. "Agora, se eu começo algo, tenho de concluir antes de iniciar outra atividade."
1) Memória de retenção
É aquela recente. Alguém fala uma coisa e um minuto depois você se lembra. De acordo com o neurologista Eli Faria, do Hospital Oswaldo Cruz, de São Paulo, a maioria dos distúrbios de retenção está ligada a problemas de atenção e concentração.
"Não quer dizer que a pessoa sofra de déficit de atenção. Pode ser consequência de ansiedade, cansaço, insônia, que afetam a atenção e a retenção de dados."
2) Memória de evocação
É aquela relacionada a fatos mais antigos, que se passaram há muitos anos e já estavam retidos no cérebro. "A dificuldade de evocação, em geral, não tem a ver com atenção ou concentração, mas com o funcionamento da região do cérebro onde está estocada a informação", diz o especialista.
Se a pessoa não dormiu bem à noite ou está fazendo muitas coisas ao mesmo tempo, pode ter problemas para acessar informações retidas. Também pode estar ligada a alterações degenerativas (doenças ou idade mais elevada), conforme explica o médico.
Um dos principais motivos dos pequenos esquecimentos é o famigerado estresse. "Uma pessoa cansada, que vive ansiosa, dorme pouco e come mal, certamente vai ter a capacidade cognitiva afetada", diz o neurologista rubens Gagliardi, diretor da aPm.
"Tem muita gente que sai de férias e volta curada." No entanto, o problema também pode estar relacionado a problemas metabólicos, colesterol alto, diabetes, pressão alta.
Dependendo das queixas, pode-se detectar alguma alteração no fluxo sanguíneo ou lesão estrutural no cérebro como consequência de um processo degenerativo, como o mal de alzheimer.
O primeiro passo é distinguir se é uma perda de memória decorrente da idade, ou momentânea, quando a pessoa passa por um período mais desgastante, ou ainda se é uma causa fisiológica. Há casos que exigem medicação.
"De um modo geral, a resposta vai depender da causa e, quanto mais cedo combater o mal, melhor o resultado", diz o neurologista Eli Faria, do Hospital Oswaldo Cruz, de São Paulo.
A falta de determinada vitamina no organismo ajuda a afetar sua memória. Porém, Rubens, da APM, alerta: "Não adianta tomar vitamina por conta própria. e cuidado com as propagandas enganosas. Ler um livro de 500 páginas em duas horas não vai resolver seu problema", diz o médico.
Para o neurologista Eli Faria, do Hospital Oswaldo Cruz, de São Paulo, não existe nenhuma medida capaz de preservar a memória intacta ao longo dos anos. Há, porém, alguns estudos que mostram que quem pratica atividade física regularmente e cultiva hábitos de leitura, estuda línguas ou está sempre aprendendo algo novo tem maior propensão a preservar a capacidade do cérebro de reter dados.
Segundo Eli Faria, existem estratégias para organizar as informações que estimulam as conexões, que, por sua vez, ajudam a desenvolver a memória. "Promover associações aumenta a rede neural e facilita lembrar das coisas", diz o médico.
O importante é ficar atento aos sinais. esquecer o nome de um conhecido, um compromisso ou uma data importante de vez em quando é normal. mas, quando os lapsos se tornam frequentes, lembre-se de procurar a ajuda de um médico.
É BOM LEMBRAR E ESQUECER
O médico e cientista Ivan Antonio Izquierdo, um dos maiores pesquisadores do mundo na área de fisiologia da memória, deu a seguinte entrevista à Você S/A:
Como a memória funciona?
A memória funciona por meio de modificações, no início, bioquímicas e a longo prazo bioquímicas e estruturais, em sinapses cerebrais (junção de dois neurônios) utilizadas na aquisição de cada memória.
A formação de cada memória de longa duração requer um processo complexo, com mais de 50 passos bioquímicos consecutivos, que levam entre 1 minuto e 6 horas.
Ela ocorre em vários lugares do cérebro, sendo o principal o hipocampo, estrutura do lobo temporal e, nele, nas células chamadas piramidais. Cada célula piramidal faz perto de 10 mil sinapses. É um processo complexo.
Quais são os tipos de memória?
As memórias podem ser, segundo seu conteúdo, declarativas (fatos e eventos) e de procedimentos (hábitos motores ou sensoriais motores, como tocar teclado, andar de bicicleta). Ou ainda pela duração: memórias de curto e longo prazo.
Por que tem épocas na vida que é mais fácil o aprendizado?
O sistema nervoso começa a se formar no embrião a partir da segunda semana de gestação, tem seu auge entre 11 e 20 anos de idade e se desenvolve ao longo de toda a vida. Por isso começamos a andar com 9 a 13 meses, a falar entre 2 e 4 anos. Fica mais fácil aprender outros idiomas a partir dos quatro anos até os 15 anos.
Qual é a relação da memória com a emoção?
As memórias mais bem guardadas são as que têm um conteúdo emocional intenso. Isso se deve às vias nervosas estimuladas pelo alerta emocional, bom ou ruim, que, por sua vez, estimulam os mecanismos bioquímicos da formação de memórias nas sinapses.
Existem duas formas de inibir a recordação de memórias prejudiciais: a repressão e a extinção. Na primeira, o cérebro decide voluntária ou involuntariamente não recordar de determinado fato ou evento.
Já na segunda, a repetição dos componentes da memória, sem sua consequência, causa o esquecimento. Outro motivo para esquecer é a necessidade de abrir espaço para novas memórias.
Por que somos capazes, por exemplo, de decorar o nome de todos os jogadores de um time de futebol, mas não as datas importantes?
Por que tem gente que reconhece uma pessoa que viu uma vez na vida e há quem nunca lembre de fechar a porta quando sai de casa? Para algumas pessoas, por razões de prática ou por razões inatas, é mais fácil lembrar nomes, datas, lugares. Já para outras, não. Algumas pessoas são mais esquecidas ou distraídas.
Qual é o limite da capacidade humana para reter informações?
Quanto mais a pessoa exercita o cérebro, maior sua capacidade de memória. Ler, ler e ler é disparado o melhor treino para a memória.
Fonte : http://info.abril.com.br/noticias/carreira/habitos-no-trabalho-podem-afetar-memoria-05052011-23.shl?4
Vitor Yudi Hansen